Sentei na poltrona número 4. Ela guardava suas coisas e se ajeitava para a viagem. Sentou-se ao meu lado na janela, ligou seu notebook branco da LG, colocou seu fone de ouvido e começou a jogar paciência, com o ônibus ainda parado.
Era uma menina lourinha, não muito alta, cabelos enrolados e levemente desajeitados, magra. Não tinha mais de 20 anos, tinha cara de uma adolescência não vivida completamente. " Tomara que não demore", disse ela, em tom firme e com uma voz tão grave, que me fez duvidar de sua suposta imaturidade.
O motorista deu a partida e começamos a nossa curta e interminável viagem. A música do fone de ouvido da garota, estava tão alta que chegava a me incomodar, me irritei por um tempo, depois desisti de ficar irritada. Ela balançava a cabeça e de vez em quando sussurrava a letra da música. Pelo reflexo de seu rosto no visor do notebook, percebi que ela sorrira, várias vezes.Parecia feliz, tranquila e sem grandes problemas.
Abri meu livro, li não mais que uma página e meia, fechei. Dormi. Acordei, e ela ainda jogava paciência. A música continuava alta, estourando o fone de ouvido. Parecia ser uma pessoa paciente. Ajustei minha poltrona e tentei voltar ao meu primeiro sono. Não consegui. Coloquei também meu fone, na tentativa de competir com a trilha sonora dela. Cinco, dez ou quinze minutos depois, cansei, queria silêncio, desliguei o celular, e ela ainda jogava e cantarolava.
No plano de fundo de seu mini-computador, estava uma foto dela com um cachorro preto, provavelmente seu, pois na foto, os dois pareciam íntimos. Certamente, era uma menina feliz. Dei uma olhada rápida no notebook, a fim de saber quanto tempo de bateria ainda restava, constatei, que teria de aguentar aquele barulho até a rodoviária.
No meio da caminho lhe ofereci uma bala, que ela educadamente recusou.
"Não, obrigada", falou sorrindo. Tinha os dentes brancos e bem alinhados, ela tem sorte, pensei.
Tocou uma música conhecida no fone dela, e eu me torturava pra lembrar o nome da cantora, fiquei numa agonia que só, eu precisava lembrar o nome de quem cantava, a canção era linda, ela tinha bom gosto também. Com a voz embargada e constrangida pelo silêncio no ônibus, me arrisquei, toquei no braço dela leve e delicadamente, perguntando com voz trêmula:
- Quem canta essa música?
- Pink. O som tá muito alto? Tá te incomodando?
Não tive coragem de confessar que eu estava irritada desde o inicio.
- Não, imagina, o som é bom. Falei sem graça.
Comecei a prestar atenção no estilo musical da jovem. Tínhamos quase o mesmo gosto, se não fosse a nossa pequena diferença de idade. Conhecia a maioria dos hits em seu mp3. Pela playlist, não era tão feliz quanto eu imaginei. Gostava de canções tristes, como ''Love Is A Losing Game'', da Amy. Carregava consigo uma certa tristeza, certamente. Talvez não se desse bem com os rapazes.
Priscila, dei-lhe o nome de Priscila. Não sei porque, mas desde o momento que chegou, achei que lhe cabia esse nome.
Na primeira parada, ela desligou o computador e o MP3, ainda bem, faltava apenas 15 minutos para terminar a viagem, mas agradeci silenciosamente. O celular dela tocou, atendeu dizendo, em tom saudoso:
- Oi mãe, tô chegando.
- Sim, depois vou lá no Felipe.
-Estudar pra prova.
-De engenharia mecânica, Mãe! Do que mais?
-Tá, tchau.
Pelo jeito, cursava ou pretendia cursar engenharia mecânica, talvez por isso sofria com os rapazes. Talvez por isso não fosse tão alegre, talvez nisso estivesse a sua tristeza. Por isso talvez, jogava paciência.
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